Com as incertezas que continuam a caracterizar o ambiente socioeconómico em tempos de pandemia e sem data anunciada para que a actividade empresarial possa voltar a “níveis normais” na muito desejada retoma, é cada vez mais difícil manter saudáveis muitas das empresas que compõem o nosso tecido económico. E se o pagar a horas a fornecedores continua a ser uma “questão menor” para muitos líderes empresariais, a verdade é que este incumprimento pode levar não só ao estrangulamento das tesourarias de muitas empresas, como até as pode fazer desaparecer do mapa. E não falamos apenas de dificuldades financeiras ou de falta de liquidez para “desculpar” estes atrasos, mas de uma cultura profundamente arreigada em Portugal que segue a velha máxima de “deixar para amanhã o que se pode fazer hoje”. É também para mudar estas más práticas vigentes que o Compromisso Pagamento Pontual continua a exercer toda a pressão possível para inverter, de vez, estes comportamentos abusivos e destrutivos.
POR JORGE LÍBANO MONTEIRO
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE) e o Banco de Portugal, na primeira quinzena de Fevereiro de 2021, 91% das empresas estavam em produção ou funcionamento, mesmo que parcialmente, o que, e comparativamente ao primeiro confinamento de Abril de 2020, representa um acréscimo de quase dez pontos percentuais. Todavia, e no mesmo período, 62% das empresas registaram uma redução no seu volume de negócios (face a Fevereiro de 2020 e antes do deflagrar da pandemia), o que representa, sem dúvida, um dado preocupante a reter, a juntar à incerteza que permanece no que respeita ao controlo efectivo da crise pandémica e, consequentemente, do retomar “normal” da actividade económica.
Adicionalmente, e tendo em conta os resultados publicados esta semana num estudo do FMI – o qual analisa o impacto da crise associada à pandemia, bem como as medidas criadas para apoiar as empresas na liquidez e solvência do sector empresarial – a eficácia das políticas para fazer face à escassez de capital no caso das PME é deficitária, concluindo que, na Europa, as medidas de apoio podem compensar cerca de 40% do aumento do défice de capital nas grandes empresas, mas apenas podem absorver cerca de 25% do incremento desse défice no caso das PME. Ou seja, e sendo o tecido empresarial português maioritariamente composto por empresas de pequena e média dimensão, tal significa que o caminho a percorrer se afigura longo e repleto de obstáculos, com o FMI a defender claramente “esforços adicionais de recapitalização das empresas para evitar falências maciças”.
Assim, e tendo em conta o desafio sem precedentes que, a nível económico e social, Portugal enfrenta, será necessário que cada um assuma as suas responsabilidades, fazendo tudo o que estiver ao seu alcance, com racionalidade económica, coragem, ética e generosidade também, para que a espiral depressiva não se agrave e o país consiga manter-se, pelo menos até à desejada retoma, à tona de água, com tudo o que isso implica para milhares de empresas, postos de trabalho e famílias.
Todavia, sabemos também que, a par das grandes medidas e reformas políticas que terão de ser concretizadas, existe igualmente um conjunto de práticas empresariais a serem cumpridas – que se afiguram ainda mais importantes em contexto de crise – se o objectivo for a (re)construção da dinâmica da economia portuguesa.
No centro destas boas práticas está o respeito pelo pagamento a horas aos fornecedores, o qual e apesar de ser “apenas” considerado como um mínimo ético na gestão empresarial, assume uma importância ainda mais vital neste panorama onde a falta de liquidez pode fazer a diferença entre uma empresa que sobrevive e outra que perece.
Como é do conhecimento público, é para fazer face a este problema que afecta, em modo dominó, toda a economia portuguesa, que a ACEGE, a CIP, o IAPMEI e a APIFARMA, com o apoio da Caixa Geral de Depósitos, da InformaD&B e da Ordem dos Contabilistas Certificados, em conjunto com mais de 1 600 empresa já aderentes, têm vindo a promover o “Compromisso Pagamento Portugal”. E, mais do que nunca, é hora de sensibilizar o maior número de empresas possível para que este ciclo vicioso de pagamentos em atraso seja travado, sob pena de ser ainda mais catastrófico o impacto da crise no tecido empresarial português.
De acordo com dados da Informa D&B, no final de 2020, apenas 16% das empresas cumpriam os prazos de pagamento acordados, “valor que apesar de ter recuperado quase dois pontos percentuais no último ano, fica muito aquém da média europeia, que é de 44,3% de empresas cumpridoras”. Além disso, e comparativamente às nossas congéneres europeias, desde 2015 que é visível na Europa um movimento crescente desta percentagem de empresas que cumprem os seus prazos de pagamento. Ora, foi também no mesmo ano que Portugal assistiu a um movimento inverso, expresso pelo número em queda das empresas que pagam a horas aos seus fornecedores.
Para além da questão económica, há também o peso da questão cultural
Se os números acima mencionados são preocupantes, e mesmo tendo em conta a deterioração do ambiente económico fruto do surgimento da pandemia e das medidas de confinamento que obstam à normal actividade económica, a verdade é que esta “prática” de pagar fora dos prazos assenta, em muitos casos, numa arreigada cultura de se “deixar para manhã o que se pode fazer hoje”. Como referia Paula Franco, bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificadas num seminário do programa Compromisso Pagamento Pontual, “em Portugal e do ponto de vista cultural, não só não se cumprem os pagamentos, como também não se dá importância a esse mesmo incumprimento”. Ou seja, o pagamento tardio a fornecedores não resulta apenas de problemas financeiros ou de falta de liquidez, mas é, em muitos casos, fruto de lideranças e culturas empresariais que parecem não perceber (ou não querem perceber) a relevância e o impacto negativo desta péssima prática, não organizando, por isso, os processos internos adequados para fazer o que é justo, ético e profundamente crucial. Na verdade, a maioria dos responsáveis empresariais considera que o prazo de pagamento não é relevante e que os fornecedores podem esperar e suportar os atrasos contínuos daquilo que lhes é apenas devido.
Assim, é essencial mudar esta cultura vigente e sensibilizar líderes empresariais e decisores públicos – não esquecendo que também o Estado é um péssimo pagador – para a importância do pagamento atempado das facturas, ao mesmo tempo que é necessário apelar à sua plena consciencialização de que ao protelar o pagamento aos seus fornecedores, está-se a limitar o desenvolvimento das empresas ou a votá-las ao insucesso, com reflexo directo nos trabalhadores e suas famílias e, obviamente, em toda a economia.
Neste sentido, o “Compromisso Pagamento Pontual” faz três apelos a todas as empresas:
- Que não atrasem pagamentos que podem realizar porque, e em particular nesta crise que vivemos, a falta de liquidez é um dos maiores problemas experimentados pelas empresas, sendo por isso fundamental estancar ciclos viciosos de não-pagamento que acabam por levar à falência de muitas empresas, ao mesmo tempo que é crucial perceberem que este acto é, também, uma verdadeira e profunda responsabilidade social:
- Que não aproveitem a crise para retirar vantagens de empresas em dificuldades ou sem poder negocial, através da dilatação de prazos de pagamento ou de propostas de pagamentos antecipados contra descontos comerciais ou outros. O desrespeito pelos valores e a ética é um factor que diminui e corrompe aqueles que o praticam.
- Que adiram ao compromisso pagamento pontual, em www.pagamentospontuais.org assumindo publicamente o compromisso de pagar no prazo acordado e ajudando a criar este movimento que pretende conferir maior esperança e estabilidade às empresas e potenciar a recuperação da economia portuguesa.
Juntos podemos aspirar a transformar esta cultura de atraso numa cultura de pagamentos a horas, que torne a nossa economia mais competitiva, mais sólida e próxima. Em todo o país.
Uma tarefa que começa em cada empresa e em cada decisão de pagamento que fazemos!